Paulo Abreu
entrevista

“O grande desafio é perceber como podem as empresas das TI reter talentos”

A pandemia veio acelerar a digitalização de vários serviços e a necessidade de muitas empresas reinventarem os seus negócios à distância. Se na era “pré-covid”, a falta de profissionais de TI já era elevada, “hoje em dia é muito maior e mais desafiante, sobretudo porque a competitividade não está tão localizada, mas sim globalizada”. Para Pedro Alves, Director Software Development na diconium digital solutions, empresa do grupo Volkswagen, “as empresas não estarão agora a competir com os seus peers locais, mas sim com players internacionais e com outros gigantes da indústria, o que torna mais crítico o seu posicionamento no mercado da empregabilidade”.
Reter talentos nesta área é outro desafio para as empresas que, de acordo com o responsável, “têm que atrair os profissionais através de conjunto de práticas e políticas atrativas que os motivem.”
 
 
Empregosit - As empresas de recrutamento são unânimes em destacar a elevada procura no mercado por profissionais nas áreas tecnológicas. No entanto, parece haver também escassez de talentos e dificuldade em contratar. Porque é que isto acontece?
Pedro Alves - Vivemos atualmente numa sociedade onde a tecnologia é fundamental para transformar o negócio de qualquer mercado e alavancar a vantagem competitiva a vários níveis. O aumento da eficiência, a digitalização, a experiência de utilizador, entre outros fatores, tornaram-se parte do dia-a-dia para potenciar vendas de bens e serviços e a eficácia dos processos de negócio. Com isto, a captação de talento nas Tecnologias de Informação (TI) e a sua retenção são desafios cada vez mais importantes para as empresas que já não vivem sem tecnologia no seu core business. Além disso, se acrescentarmos a inovação e o crescimento do número de start-ups que apostam no desenvolvimento de novos conceitos e tendências tecnológicas, obtemos uma equação cujo resultado é uma oferta superior à procura de talento no mercado das TI. A competitividade para obter o máximo e o melhor talento é enorme e o desafio para reter esses profissionais é cada vez maior, colocando as empresas à prova em vários domínios: condições salariais, benefícios, cultura, crescimento e desenvolvimento pessoal para cada colaborador.
 
 
- Nos últimos anos, houve um decréscimo do salário pago a profissionais com competências em inteligência empresarial, ciência de dados?
- Estudos apontam de facto para um ligeiro decréscimo na oferta salarial na área de Data Science. Contudo, ainda não são notórias as razões fundamentais para este decréscimo. Sabe-se sim, que estes últimos (quase) dois anos trouxeram alguma incerteza global, fruto da pandemia, e isso pode ter gerado algum decréscimo na procura. No entanto, se analisarmos de uma forma mais holística o presente e o futuro, esta é uma das áreas que está destacada nas remunerações mais elevadas das TI e com crescimento à vista. O potencial do Machine Learning, Inteligência Artificial e Analytics é gigante e ainda há um caminho longo a percorrer para que as empresas se consciencializem dos benefícios para a sua produtividade e ganhos de eficiência. Grandes empresas, como na indústria automóvel, já têm na sua estratégia e serviços os dados como ponto fundamental na sua oferta. O futuro passa por tornar os dados mais úteis para previsibilidade e auxílio na tomada de decisões. E este futuro já está a acontecer em vários mercados e, com isso, a valorização destes profissionais e suas competências.
 
 
- Nota-se também que nesta área, os profissionais não permanecem muito tempo na mesma empresa. Porque é que isto acontece?
- A retenção de talento é de facto preocupante, como referi anteriormente. Nesta área de Data Science, que ainda tem um caminho a percorrer, a procura é maior, o que leva a que de facto possa existir uma movimentação mais exaustiva de talento. Mas arrisco-me a dizer que este é um problema mais vasto dentro das TI. Existem múltiplos fatores para que a permanência e retenção dos profissionais seja tão volátil. Fatores esses que trazem às empresas um enorme desafio, passando por alterações estruturais e culturais. Os fatores que estão a desafiar as empresas na área das TI na retenção de talento mudaram drasticamente ao longo desta última década. Desde logo, o primeiro fator prende-se muito com as novas gerações de talento que procuram ser desafiadas, e que não veem um emprego como algo duradouro, ou pelo menos, esperam que as entidades empregadoras lhes proporcionem de forma constante os projetos e desafios que vão ambicionando. Falo dos Millenials, que têm criado uma disrupção nesta nova forma de atuar no mercado da empregabilidade. Por outro lado, temos o fator da competitividade. A transformação digital, e a colocação cada vez mais necessária das tecnologias no core business das empresas, trazem uma oferta cada vez mais vasta, o que potencia uma procura mais fácil e diversificada. O desafio, neste momento, é perceber quais os fatores críticos de sucesso para que as empresas das TI possam tonar-se uma atração na retenção de talento. Se fizermos uma analogia com uma loja que vende um produto, temos de começar pela montra e na imagem que transparece da sua embalagem. Mas, por outro lado, a duração do produto é determinante pela sua qualidade, bem como o seu preço. Ora, no que diz respeito ao talento, não é muito diferente. Temos de vender a melhor imagem no serviço que prestamos, mas sem dúvida a sua qualidade para que cada colaborador se sinta bem, cresça connosco, e nos ajude a criar valor. Isto tudo tem um preço e um custo que as empresas têm de saber adaptar à nova realidade.
 
 
- Antes da pandemia, estudos apontavam que faltariam, em 2020, entre 800 mil e um milhão de profissionais de TI para responder às necessidades das empresas. A crise sanitária provocada pela Covid-19, que forçou o mundo a adaptar-se rapidamente ao teletrabalho, veio agravar esta tendência?
- Sim. Como referi, a oferta e a procura é muito diversificada. Já o era antes da pandemia com um crescimento brutal da necessidade de mais profissionais das TI em diversas áreas. Todos pudemos constatar que a pandemia veio acelerar a digitalização de vários serviços, deste o setor público ao privado, o e-commerce, e a necessidade de muitas empresas reinventarem os seus negócios à distância. Isto para o mercado das TI foi um “ligar do turbo” sem ninguém estar a contar. Turbo este que levou o mundo a adaptar-se tecnologicamente a uma realidade global completamente diferente. Se a realidade pré-covid, quanto à falta de profissionais de TI já era grande, hoje em dia é muito maior e mais desafiante, sobretudo porque a competitividade não está tão localizada, mais sim globalizada. O teletrabalho tornou-se global com as gigantes das TI a darem o exemplo nos primeiros passos na implementação permanente de novos modelos de trabalho. Com estes novos modelos, e principalmente nos full-remote, a competitividade na procura de talento internacionalizou-se mais. As empresas não estarão agora a competir com os seus peers locais, mas sim com players internacionais e com outros gigantes da indústria, o que torna mais crítico o seu posicionamento no mercado da empregabilidade.